Por caminhos tortos eis que chegamos ao bom caminho. Um dos símbolos da cidade, encravado no bairro em que nasci, afinal, tem merecido melhor atenção. Faz poucos dias conversei com uma prima e ela se recordou por meio de uma foto que lhe enviei, dos tempos em que ficava sentada na Ponte Torta na hora do almoço, esperando minha tia levar sua refeição, já que trabalhava em local próximo ao bem histórico. Quando menino, não era incomum que subisse aqueles degraus e aproveitasse o valor de atravessar um ícone histórico.
Há muito por fazer ainda na recuperação de bens imateriais, minha principal preocupação como historiador. No entanto, também os bens materiais são – como dizia um grande pensador -, “lugares da memória”. Quando da derrubada a golpes de marreta, a concha acústica do Parque da Uva deixou de ser um desses espaços. Na ocasião, engrossei o coro dos descontentes, porque além de historiador, como músico, subi naquele palco diversas vezes. Aquele lugar da memória foi, tomado em sentido inverso, como naquela capiciosa matéria jornalística dos anos 70, que mencionava o tombamento do Solar do Barão de Jundiaí com o título: “Solar do Barão: tomba ou não tomba?
Para alguns, tombar é tarefa sem critério, desmerecedora da memória alheia, sobretudo a memória pública, porque o patrimônio não é do governante. O ato de subir no palco, ou no bem em questão, subir as escadas, promove um acesso reminiscente ao passado vivido que emerge como fonte histórica, recuperado e preservado pelas gerações futuras. Daí que os depoimentos sejam extremamente necessários, que as técnicas de entrevista utilizadas pelos historiadores sejam consideradas e transcritas para que não se perca o registro oral.
Aumenta também a consciência de preservação, mas é necessário convir que ela não deva se restringir a meras manifestações em favor deste ou daquele bem. Fóruns, debates, palestras como as que têm sido promovidas atualmente são de extrema importância para que as lutas não se degenerem em protestos sem fundamento técnico. E há, de fato, várias medidas que tem sido tomadas para que isso não aconteça.
Lamento profundamente o fato de saber que as casas em que nasceram meus bisavós, meus pais e mesmo a que eu nasci, já não existam mais. Gostaria de rever aquela sala com assoalhos e adornada com uma linda e antiga cristaleira, além daqueles quadros antigos de casais (meus avós) pendurados nas paredes. Para acionar tais reminiscências, nada mais providencial que preservar os lugares da memória. Parte dela é possível resgatar com a preservação de bens públicos, outra parte – os bens privados – escorre ralo abaixo por conta dos interesses econômicos, quase sempre vistos como acima dos interesses culturais.
Só sei que eu subi naquela ponte quando era menino, nasci naquele bairro, ali viveram meus avós, meus pais, meus tios e primos. A Avenida Odil Campos Saes nem existia na época, era um triozinho quase impenetrável. O Rio Guapeva estava contaminado com a descarga de restos de alimentos de uma indústria da região, além dos esgotos não tratados. Agora há uma chance de ampliar o debate. Com o trabalho do Centro de Memória, da Diretoria do Patrimônio Histórico, da integração entre os Museus e a articulação do Planejamento Urbano com a memória histórica, temos uma nova realidade em Jundiaí. A história agora não fica a mercê de montagens de exposições fotográficas sem reflexão, sem critérios técnicos de escolha, sem conexão entre eventos e pensamento historiográfico, simplesmente para se dizer que a memória está preservada. Ganha nova dimensão, com a associação entre preservação de bens materiais e imateriais e a recuperação das reminiscências que levam à reconstituição da memória, registrada no papel, valorizada nas lembranças de tantos.