O Brasil sempre foi um país de contrastes sociais dissimulados, uma profusão intensa de estados de violência escondidos nos subterrâneos da história, que se cotidianizaram. Segundo o historiador Leandro Karnal, as nossas guerras civis são denominadas com eufemismos como “Revolução Constitucionalista”, “Conjuração Baiana” ou “Revolta da Chibata”. A violência enquanto parte integrante de nossas relações sociais fica obscurecida pela vergonha em assumir-nos assim, desejantes da aniquilação do outro. Questão meramente econômica? Condição natural? Resultado das relações socioculturais?
A luta de classes é apenas uma constatação. Fruto dessa dinâmica própria do sistema capitalista, o chamado “consumo”, que nada mais significa do que “aniquilar”, enaltece na humanidade o que já era próprio na historicidade dos processos “civilizatórios” anteriores: existe a violência, existe o ódio de uns contra os outros, quase sempre movido por interesses privados. Ninguém está imune. Nossa moral cristã até que tenta amenizar o fato, mas não consegue. Mais fácil organizar para destruir do que para construir. Mais fácil e imediato reagir contra “um outro que me prejudica”, que aquela paciência educativa do pai que insiste em, utopicamente, apontar para o filho que no horizonte está o bem. Mas como resultado aparece o líquido e certo: a violência direta ou simbólica, nos espaços em que nos encontramos. Ela se apresenta como racismo, calúnia, difamação, agressão física ou simples comentário nas páginas de relacionamento, quando ensejamos a morte política do outro. Nada mais sôfrego, espelhamento do que somos: nada amigáveis.
Nenhuma desconsideração ao fato da existência de aberrações que se cometem em nome do interesse público. Há armadilhas na democracia, que sempre falha, abriga desvios de conduta inadmissíveis. Mas não será com sermões que corrigiremos esses desvirtuamentos, sobretudo em tempos de “anormalidade” política, insurgindo-nos contra quem julgamos responsáveis por tudo o que acontece no mundo, com um ódio político mortal. Coitados dos pobres ocupantes de cargos públicos que levam a sério sua tarefa. Esse ódio se manifesta com palavras, escritas e ditas, por pessoas que possivelmente nunca estiveram sob a lente de um microscópio para perceberem sua humanidade falha. Mas colocar outros sob esta lente é tarefa bem comum. Idealismos a parte, o mundo é o que é e só poderá se tornar diferente na medida em que segurarmos nossos impulsos destrutivos. Se é que isso é possível.