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Gestão Pública com Caráter Público

Há muitos motivos para que a liberdade de crítica seja respeitada. Há muitos motivos para que a liberdade de crítica honesta seja uma realidade. Mas não é. Desde que assumi como secretário de educação de Jundiaí, venho procurando não me referir a momentos anteriores da administração pública, já que não há necessidade de desconsiderar o que outrora fora feito, independentemente das concepções de gestão que norteavam a vida do município e os resultados. Pode haver discordância de fundo, sempre, mas não desonestidade. Por esta razão é necessário buscar os fundamentos da conversa democrática na literatura especializada, caso contrário, o discurso fica vazio e sem sentido. Há muitos desafetos que podem ser promovidos quando o intuído da crítica não é construtivo. Por várias razões, como seres humanos, somos tentados a incorrer na prática do embuste, invertendo, escamoteando ou falseando a realidade. Mas devemos dar uma chance para avaliação pessoal, sempre, característica de pessoas fortes politicamente. Na história da humanidade, o desejo de alcançar e manter o poder atinge um número enorme de pessoas, como nos lembra Fábio Konder Comparato. Se fizermos um balanço, quase sempre esta prática foi por meio de qualquer custo.

Devemos retornar aos gregos, aprender que o pragmatismo puro e simples tende a morrer com o tempo, sem um fundamento, uma finalidade geral. O sistema ético de toda organização social bem sucedida não deve estar subordinado a imediatismos e pragmaticidades sem finalidade superior. Caso contrário, prevalecerá sempre o favorecimento de determinados grupos em detrimento do bem comum.

Os gregos do período clássico abominavam o enaltecimento de interesses privados, particulares. Para esta prática havia um conceito, o de “idiotes”, que significa aquele que só vive a vida privada, se recusa a pensar no interesse público, na política enquanto busca do bem comum. Nos tempos presentes houve um sequestro do sentido original da palavra, que é utilizada como um pejorativo depreciativo. As palavras dizem mais do que imaginamos ou dos sentidos que lhes atribuímos.

O interesse público está assentado em teorias e concepções políticas de todos os espectros ideológicos. No ideário liberal democrático, bem como nas feições progressistas. No entanto, nem no liberalismo clássico e nem nas teorias socialistas encontramos a garantia prática do respeito ao coletivo. Desvios, para lá e para cá, ocorreram historicamente. Nas intenções honestas de ambas as referências, sempre prevalece o interesse público em detrimento do privado.

Por força dos meandros do empobrecimento cultural, predomina hoje um diálogo desqualificado, que beira ao interesse privado mais raso, de todas as naturezas. Os seres humanos estão suscetíveis, quando falta reflexão, às interferências desse empobrecimento dialógico, assumindo a posição de críticos sem fundamentação. E não se trata de uma questão ideológica, já que encontramos seriedade em muitas feições ideológicas opostas.

A gestão pública, por sua vez, também está sujeita, porque elaborada por seres humanos, a se desviar do caminho em direção ao interesse público. Isso ocorreu e ocorre no Brasil, por razões históricas bem concretas. A nossa origem colonial, nosso passado oligárquico e nosso recente período de exceção não nos deixam mentir. Quando da “abertura democrática”, lampejos de civilidade política foram ofuscados, na década posterior, por uma nova contaminação ideológica, os pressupostos de um liberalismo tosco, sem base científica, que supunha romper com toda tradição moderna, com a liberal democrática e com as influências do socialismo nas concepções de Estado, sociedade e gestão pública. A adesão a um discurso e prática abstratos (mas que custaram muito econômica e socialmente), deram no que deram. Privatizações, deterioração de bens públicos e sistemas (de saúde, de educação, entre outros). Ainda colhemos os resultados nefastos desta realidade que vieram aportar ao solo brasileiro tardiamente, nos anos 90, já que seus ensaios foram colocados em prática nos anos 70, no Chile.

Da direita à esquerda, os vícios que provocaram a atual situação de instabilidade social e política, foram incorporados como se fossem naturais. Dentre eles, a falta de reflexão ética e as escolhas de caminhos tortuosos. Não é porque a ilegalidade de processos jurídicos campeia, que defenderemos a não existência de comportamentos e atitudes inadequadas em relação ao interesse público, em todos os campos do amplo espectro político brasileiro.
No entanto, há homens públicos, ainda, que ocupam espaços em instituições políticas as mais variadas, cujo desejo de recuperar os princípios da conduta ética são visíveis. Muitos deles estão à frente de gestões que podem até contemplar contradições, em função das circunstâncias históricas, mas sua integridade e seriedade são indiscutíveis.
Um retorno puro e simples a situações vividas nos anos 90, com entrega do patrimônio público sem mais delongas e cuidados ao setor privado, só poderá resultar em mais prejuízos aos setores médios e populares. A chamada ponte para o futuro, fica logo ali, acima de uma grande cachoeira, por onde cairão os interesses públicos, correnteza abaixo.
Um país que tem em seus quadros homens da envergadura de Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Milton Santos, Florestan Fernandes e Paulo Freire, nacionalistas críticos e defensores incontestes do bem comum, não pode estar à mercê de interesses menores, de grupos políticos carcomidos pela indecência, representantes da pior face do interesse privado, de um liberalismo voraz que abriu de vez mão do princípio fundamental da regulação econômica para fins de manutenção do bem comum. Não se trata de nomear pessoas ou grupos, defender pessoas e grupos. Falo de criticidade, que cabe sempre, em todas as circunstâncias, sob o risco de tornarmos a política institucional um braço da religião, como se as seitas fechadas definissem o que vale e o que não vale para o comportamento público. Não tenho dúvidas que muitos sucumbem, por interesses pessoais, menores, às tentações do capital, seja para proveito próprio, seja em nome do “bem comum”. Comportamento altamente reprovável. Em última instância é preferível perder a abrir mão de princípios mínimos.

O chamado “desenvolvimento econômico”, em sua própria concepção, tem uma contradição candente: desenvolver é não envolver. Se não há envolvimento, não há fluidez econômica, apenas interesse particular. Perdemos muito nas últimas décadas, em relação àquele rigor dialógico dos anos 80, onde a maioria de nós se engajava em busca de consensos mínimos em torno de questões fundamentais: papel ativo do Estado na defesa de direitos sociais, publicização de todos os serviços, laicização do espaço público e construção de uma esfera pública democrática e efetiva. Ainda temos tempo como país.

Sobre José Renato Polli

Editor responsável

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