Ah, você nos pegou de surpresa! Ontem mesmo nós brincávamos no quintal da sua casa, lá na rua Atílio Vianelo. Eu, você, um pouco mais velha que eu, e sua irmã, nascida dois meses antes de mim. Toda vez que visitávamos a sua família era uma festa. Sua mãe, mulher alegre e hospitaleira, sempre preparava alguma coisa. Aqueles famosos bolos. Aquelas baciadas de pipoca. Era uma diversão enorme. Dona Mafalda Clementina, que levava o nome da avó, era uma cozinheira de mão cheia. Aplicava injeção em quem precisasse. Era o coração de mãe para além da família.
E qual a razão de ela ter lhe dado este nome? Respondo com certeza: minha mãe. Apesar de todas as contrariedades da vida que podem existir entre irmãos, sempre digo, no lado familiar de nossas mães sempre houve um amor maior que tudo. E você levou o nome da minha mãe. Seu irmão levou do nosso tio. Sua mãe levou o da avó dela. Nosso avô levou do tio dele. Um costume que por certo está ligado ao valor da ancestralidade e de uma continuidade desse amor. Ele estará presente, sempre, em nossos filhos e netos. Desde a mais longínqua origem de nossa família, lá na cidade de Colle D`Anchise, na região de Molise, província de Campobasso. Talvez o nosso hevaxô, Gaetano Spina, já carregava geneticamente esse amor em seu coração.
O tio Nardo, seu pai, era um homem engraçado. Falava alto e defendia posições com a garantia da certeza do que falava. Ambos muito afetuosos e carinhosos. Os sobrinhos e irmãos dos dois lados se sentiam muito bem na presença deles. Pelo que vejo nas fotos, adoravam os netos. Seu irmão tinha um TL azul clarinho. Muitas vezes passeei de carro com ele. Na época do falecimento do nosso avô era esse o carro dele. Foi ele quem levou a nôna para ver o nôno no velório.
Como me esquecer da importância do seu avô paterno nas nossas vidas? Seu Amadeu Farrão era homem de grande coração. Ajudou meu pai a construir aquela pequena casinha na Ponte de São João. Não quis um tostão. Mas meu pai foi lá, depois, ajustar o que é justo. Faz pouco tempo te mandei a árvore genealógica da sua família. Assim como a minha, imigrantes italianos provindos de várias regiões da Itália. E ainda tem o fato de minha madrinha, tia Prima, ser irmã do seu pai, uma pessoa doce como jamais vi. Não muito comum para a época, dois irmãos de uma família se casaram com dois de outra família. Tenho certeza de que seu trisavô paterno, Giuseppe Faron, desde lá da cidade de Badia Polesine, em Rovigo, também cultivou esse amor que se entrelaçou com o do nosso lado materno.
Você tinha uma vitrolinha. Um dos compactos que você sempre tocava quando mocinha, que me lembro muito bem, era dos Bee Gees, cuja música nunca saiu da minha memória: I started a joke. Nessa época eu me lembro até de quem você namorava.
Depois, o seu casamento foi aquela situação triste. Tudo preparado e o nôno inventa de nos deixar. A família ficou dividida. O tio Armando, irmão do nôno, e a tia Elizabeth, seus padrinhos, vieram de São Paulo. Naquela época, alguns velórios eram realizados nas casas e um pano preto era colocado na porta. Foi um susto para eles. Vieram para seu casamento e o irmão do tio Armando, nosso avô, tinha morrido. Ficamos todos muito chateados, você talvez muito mais. E a vida seguiu. Acompanhei de longe seu caminhar.
Sua mãe sempre levava seus filhos lá em casa. Eles eram pequenininhos. Na época seus pais moravam no Jardim Esplanada, mas vinham mesmo assim, de ônibus. O Marcelo, maiorzinho, e o Otávio e a Mariana um pouco menores. Faziam a festa no nosso quintal. Meu pai se divertia com eles.
E o tempo foi passando, minha prima. Cada um de nós foi tocando a vida da melhor forma possível. Seus filhos estão maduros. Você teve netos e até bisneto. Logo depois do falecimento da minha mãe, você deu um grande susto na gente. Passou. Alguns anos atrás você nos deu outro. Nossa querida prima Dinorá, que nos deixou recentemente, liderou uma corrente do bem em seu favor. Mas agora, além do susto, você resolveu descansar. Sim, porque sei da sua luta. Mas como está posto numa oração de Santo Agostinho, a morte não é nada.
Eu senti muito a morte da sua irmã. Senti pelos problemas de saúde do seu irmão. Fui lá na casa dele buscar algumas fotos da família. E a sensação que tenho agora é que aquele amor que sempre achei existir em grandes proporções no lado familiar de nossas mães, transborda em mim novamente, com a tristeza de sua perda. Sei que os seus filhos e netos te amavam. E é exatamente isso que conta.
Aprendi com a passagem dos meus pais, que a memória preservada é a continuidade do amor. Por isso eu vou sempre na sepultura da família, fazer uma visitinha para minha mãe. E agora, vocês duas, as duas Evinhas, estão juntinhas ali. Com seus pais, com nossos avós, com nossos tios e primos. Passarei sempre, como sempre faço, para preservar a sua memória, a memória da nossa família materna, fazer uma oração. E tenha certeza, nós faremos de tudo para preservá-la. Seus filhos, netos, bisneto. E seus primos, irmão, cunhados, sobrinhos, amigos e todos os que te amaram e que continuarão a te amar. Você me disse várias vezes, por escrito e pessoalmente: “Eu te amo, primo!” E posso também dizer, como respondi nas outras ocasiões: eu também. Vai com Deus, Evinha.