Toda ortodoxia esgarça qual tecido velho. Ela anda de mãos dadas com a intolerância, os fundamentalismos e o sectarismo. Com o tempo, não haverá salvação para os inflexíveis, que se fiam no determinismo das ideias. Os radicais, ao contrário, sustentam firmemente seus pressupostos, mas estão abertos ao diferente, ao outro ponto de vista. Geralmente os radicais são confundidos com os sectários.
Complementações de ideias e experiências não estão fora de moda. A moderna teologia cristã, muito assentada na hermenêutica e na abertura para compreensões mais largas sobre o fenômeno da fé, incorporou, ao menos em sua expressão progressista, o discurso ecológico. Não há como separar Deus das maravilhas que nos rodeiam. É como se dissesse: se não preservamos a natureza, matamos Deus.
Em boa medida, há que se recuperar a razão sensível e desmistificar o poder da racionalidade cartesiana. Mas esse discurso, em grande medida, nada mais é do que uma reafirmação de concepções antigas sobre o divino e a natureza. Algumas delas, provindas de experiências culturais não cristãs. No século XIII, um filósofo sufista, Jalal ad-Din Muhammad Rumi, defendia a união com Deus por meio do amor. Uma relação pelo sentimento e não pela razão. Em consonância com o discurso ecológico da teologia cristã, dizia que tudo e todos fazem parte de um fluxo infinito, tendo Deus como algo presente e eterno.
A vida é um contínuo religar de passado e futuro, um processo de vida, morte e renascimento em direção à eternidade. A naturalidade da morte, circunscrita neste processo, é parte do desenvolvimento em direção à evolução espiritual. Rumi acreditava, portanto, que essa compreensão de Deus, do universo e da própria vida, viria pelas emoções, que podem ser despertadas pela música, o canto e a dança.
Quem de nós nunca se encantou com os sinais espirituais “naturais” que se nos apresentam? Um sorriso de uma criança, a brincadeira de um animal de estimação, um passarinho que se banha em uma poça de água, o vento que alardeia as flores das copas das árvores? Crenças tão sólidas e sentimentos os mais arraigados jamais poderão se constituir como ortodoxias frouxas.
Essa abertura para a confluência de percepções enriquece a experiência humana, em certa medida hoje tão assolada pelo ódio, a competição, a defesa apaixonada de posições fixas e inflexíveis. Não há vida espiritual que se sustente dessa forma, quando nos colocamos nesta posição cega de não ver o outro, sua experiência, suas ideias, negando a natureza divina que está contida nele.