Na sétima série vivi uma situação que ficou registrada em minha memória para sempre. Em uma aula de história eu estava sentado na primeira carteira, logo à frente da mesa da professora. De chofre, me perguntou o que eu gostaria de ser. Eu disse que seria filósofo e historiador. Premonição? Profecia? Para um garoto de 13 anos, muito improvável.
Mas a vida nos prega muitas peças. Trabalhei desde cedo em muitas atividades. Aos 23 anos tive a oportunidade, talvez a mais importante de todas, de ingressar no seminário diocesano para seguir a vida religiosa. Deparei-me com a filosofia e não me encontrei na vida religiosa. Por linhas não tão tortas assim, posteriormente, fiz meu mestrado em história social, quando já era professor.
Quando deixei o seminário, prestei vestibular para filosofia. Lá fui eu me aventurar nesta que é uma das mais apaixonantes áreas do conhecimento. Um dos hábitos muito arraigados, a leitura noturna, enquanto todos dormiam, era praticamente um compromisso inegociável com o sono. Foram muitas noites de leitura. Mas uma delas, talvez a mais apaixonada de todas, foi a do romance de Umberto Eco, “O Nome da Rosa”, que reli inúmeras vezes. Quando a obra ganhou uma versão cinematográfica passou a pertencer aos recursos didáticos mais utilizados por mim em sala de aula. Perdi a conta de quantas vezes já assisti esta película sozinho ou com os alunos.
Com o falecimento recente deste filósofo, historiador, semiólogo e um dos maiores intelectuais do século 20, as ciências humanas perdem uma referência importante. Quem se deparou com outra de sua obra importante, “O Pêndulo de Foucault”, sabe da dificuldade que é se deparar com uma leitura densa, quase incompreensível por um lado, mas desafiadora por outro.
Talvez seja esta a razão de Umberto Eco ter sido um crítico feroz da imbecilidade que corre solta nos novos veículos de comunicação, sobretudo as redes sociais. Consta que, apesar de ter resistido por um tempo, acabou aderindo à leitura de livros em tablets. No entanto, dizia que nada substitui o prazer de rabiscar a borda de um livro, ao ser lido saborosamente, parcimoniosamente, dia após dia, com aquele desejo do qual fala Mário Sergio Cortella, de que não termine nunca.
Eis o motivo do enamoramento apaixonado pela filosofia. Com ela não podemos tergiversar. Deve haver substratos fundantes para a relação com seu objeto, o conhecimento. Não vale qualquer relação, desapaixonada. Certamente, se assim acontecer, haverá um divórcio entre o sujeito e o objeto. A profecia tornou-se um eco permanente. Ecos da filosofia, que nos embalam todos os dias.